A gente se acostuma

A gente se acostuma, esquece e ignora ou fingimos tão bem, até para nós mesmos, que acreditamos piamente que nos acostumamos com as dores, incômodos, ausências, revoltas e a vida segue.

Até um dia, um pequeno acontecimento ou uma memória e estas voltam, uma solitária, ou todas de uma vez e nos soterram. Nesse momento lindo, daquela angústia gostosa no peito, aquele peso nos ombros, enxergamos que não acostumamos, nos anestesiamos, para não sofrer, para não se importar.

“A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.”, Marina Colasanti

Nos anestesiamos o tempo todo, sofrer só é bonito no cinema, para o mundo atual é uma fraqueza. Importar-se, querer, medo, tristeza? Mostrar-se humano é dar o poder para o outro, para no mínimo te julgar. Insegurança então? Que horror, como alguém ainda é inseguro num mundo com tantos livros de auto-ajuda? E o amor? Só se for o convencional e aceitável, que piegas chorar por um pé na bunda, uma rejeição, como ainda não superou e colocou outro no lugar? Ironias à parte, você já pensou quão poucas são as pessoas com quem você pode ser humano?

Porém a vida continua, e não podemos nos dar ao luxo de sofrer, não temos tempo de se importar, são tantas coisas para viver, tantas as opções, tantas coisas a se acostumar, ignorar e esquecer. E assim continuamos, a vida segue e a roda gira.

Uma semana passa, um mês passou, ops já são seis meses. Quem se importa depois tanto tempo? Infelizmente, eu me importo.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.“, Marina Colasanti

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