Nesse final de semana fui dar minhas voltas, como todo bom final de semana sem filhos. Uma delas foi no bairro da Liberdade, sempre gostei do centro de São Paulo, de “pernear” por lá, ver a arquitetura, os pontos turísticos, as igrejas, as pessoas circulando e todas os detalhes que só a pé conseguimos enxergar.

O centro mudou muito da época em que cabulava aula para ir ao McDonalds da Rua Direita tomar sorvete com uma amiga. A pobreza, degradação, sujeira e a marginalidade estão absurdamente maiores. Me dá um misto de pena e medo nesses passeios. Nosso país está indo de mal a pior, nunca vi tantas pessoas morando na rua como nos últimos anos e isso só tende a piorar.

Tive um contato peculiar com um desses moradores nesse dia. Estava tentando acender um cigarro e ventava um pouco. Ouço atrás de mim um homem perguntando se eu queria ajuda. Viro e vejo um homem alto, imundo, barba enorme, cabelos sem corte, numa mão segurava um livro sem capa e com a outra tentava pegar algo em sua mochila, dela tira um maçarico, daqueles de charuto e me oferece. Não aceito pois o cigarro já estava aceso. Pergunto sobre o que é o livro que ele carrega, em um ótimo português, me conta brevemente sua história.

Sabe aquele segundo que vira um século e você se atenta para os pequenos detalhes da cena? Foi o que ocorreu. O homem apesar de seu aspecto malcuidado, não tinha cara de drogado ou alcoólatra, dá pra ver os efeitos desse tipo de vida na pele, nas feições, no olhar fanático. Esse homem tinha um semblante tranquilo, um sorriso leve no rosto, uma fala mansa e pausada, os olhos brilhavam e em nenhum momento me inspirou medo. Suas mãos em contrapartida estavam negras de sujeira, daquelas grossas, grudadas, mãos que não viam água há alguns meses, porém com as unhas cortadas (?). E pasmem, com toda aquela sujeira não fedia, em muitos moradores de rua você sente o mau cheiro há uma certa distância, claro que não cheguei tão perto assim pra cafungar o ser ou ele também podia estar contra o vento, mas com toda aquela sujeira não senti cheiro nenhum.

Óbvio que ele me pediu dinheiro após nossas breves palavras, e eu indo contra meu lugar comum, dificilmente dou dinheiro quando me pedem na rua, dei de bom grado. Acho que foi o livro, seu tom educado, não sei ao certo, mas como dizem por aí: gentileza, gera gentileza. Nos despedimos com desejos de um ótimo dia para ambos e the end.

Fico pensativa quando cruzo pessoas nessas condições e me vêm as mesmas questões. O que aconteceu nessa vida para chegar nesse ponto? Que escolhas e infortúnios lhe ocorreram? O que ela abriu mão? Que tristeza tão grande é essa ao ponto de se abandonar dessa forma? Ou qual foi sua grande cagada pra ela ir contra o senso comum de como o ser humano deve viver?

Essas perguntas cairiam bem se a pessoa aparentasse tristeza e sofrimento, mas não foi o caso desse homem. Vivemos do modo como nos foi ensinado, tudo que vai contra nos causa estranheza. Mas vivemos como queremos? Temos a vida de desejamos na juventude ou nos colocamos em prisões, algemas, muitas vezes de ouro, para não ir contra os preceitos da sociedade?

Enfim, fazendo um pequeno trocadilho com o nome do bairro, essa breve troca com um estranho me trouxe um sentimento: liberdade.

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